domingo, 4 de dezembro de 2016

CNT011. Um tiro na pradaria

Ao longo da procura de BD para digitalizar nas revistas das décadas de 50 e 60, encontram-se sempre contos e outras peças interessantes de literatura que é uma pena deixar esquecidas.
Estão neste caso as publicadas quase semanalmente no Cavaleiro Andante. Pena que, na sua esmagadora maioria, não sejam identificados autores do texto nem ilustradores.
É o caso deste interessante «Um tiro na pradaria».

 A caravana tinha acampado para passar a noite. Depois da ceia, enquanto as mulheres preparavam o café e os petizes acarretavam lenha para a fogueira, Forrester contou uma daquelas aventuras que o tinham tornado popular entre os pioneiros.
— Foi numa noite como esta. Tínhamos também instalado o nosso acampamento à entrada de um pequeno bosque. Estávamos em Junho de 1868 e Nuvem Vermelha, o famigerado chefe índio, continuava a importunar-nos com a sua luta de guerrilhas. Por meu lado, comandava um pelotão de trinta homens do 7. ° Regimento de Cavalaria.
Cavalgávamos havia já uma dezena de dias, em perseguição de uma misteriosa tribo índia que depois das suas proezas parecia evaporar-se na nossa frente.
— Maldita terra! — diziam os velhos soldados — Acabaremos por cá deixar a pele...
E o facto é que não se passava um dia sem nos armarem uma emboscada
Naquela noite, depois de erguidas as tendas, tínhamos acendido o lume para preparar a ceia. Os meus dois sargentos estavam sentados junto de mim e eu indicava-lhes o plano de campanha para o dia seguinte.
— Vamos rodear este maciço montanhoso pela esquerda, enquanto uma patrulha de cinco cavaleiros irá pela direita.
Os dois homens preparavam-se para me propor os seus melhores
soldados para tal missão, quando, de repente, uma sentinela apareceu, correndo.
— Que há, Mac Yvan?
— Vem aí um cavaleiro, meu tenente
— Onde?
— A pouco mais de uma milha...
Trepei a um pequeno promontório rochoso e, à luz da lua, inspecionei o horizonte. De facto, um cavaleiro galopava em direção ao acampamento. Ao vê-lo chegar a descoberto, perguntei a mim próprio se não seria mais uma cilada diabólica dos Cheyennes. Coisa estranha: o homem parecia todo deitado para trás na sela.
— Cuidado, meu tenente — disse--me a sentinela — não se descubra! Esse cara vermelha vai disparar uma flecha ao primeiro que se mostrar...
— Ah! Sim? Deixa-me ver a tua espingarda!
Visei cuidadosamente o alvo, mas no momento em que punha o dedo no gatilho, tive uma hesitação e falhei homem e cavalo. Mas, com grande surpresa minha... o cavalo não parou e o cavaleiro não teve qualquer reação. Deixou que a montada continuasse a galope direito a nós.
Agora encontrava-se mais perto e pão pude reter um grito de surpresa. O cavaleiro solitário estava amarrado à sela pelos artelhos e pelos pulsos. O infeliz, medonhamente sacudido, nem sequer podia guiar o animal que montava.
— Depressa! Vocês! A cavalo!
Segundos depois, eu e um dos meus sargentos conseguíamos bloquear o cavalo índio. Um golpe de faca para libertar o homem amarrado, e qual não foi a nossa surpresa quando o desconhecido se pôs de pé, vacilante.
Era um branco. Esteve longos momentos sem poder articular o mínimo som. Muito pálido, sob a espessa cabeleira ruiva, sentíamo-lo prestes a desmaiar.
— Beba isto! — disse Johnathan, o nosso cozinheiro.
O homem tomou um bom golo de whisky e deixou-se cair sentado junto da fogueira.
— Tenente... alguém daqui disparou sobre mim e falhou.
— Fui eu! Felizmente que não lhe acertei.
— Obrigado! Salvou assim duas vidas.
— Duas? Como assim?
— Agora estou salvo! Vou poder conduzi-los ao covil da tribo índia, para libertarmos minha filha que ainda se encontra prisioneira.
— O senhor conseguiu então fugir?
— Ah! Não... Bem sabe que quem cai prisioneiros dos 'Peles-Vermelhas nunca consegue fugir.
— Mas então...
O estado em que tínhamos encontrado o pobre homem era um suplício inventado pelos índios para nos combaterem. Amarrado o prisioneiro ao dorso de um cavalo por domar, deixam o animal em liberdade. E o desgraçado acaba por morrer, de fome, de sede, de insolação ou de frio, em pleno deserto...
— Há mais de quinze horas que eu galopava assim à mercê do cavalo... — explicou o desconhecido. — O mais terrível de tudo _é que conhecia o suplício e sabia como pode ser longa a agonia do moribundo que os pulos do cavalo impedem de dormir um instante que seja. Quase sempre se acaba por enlouquecer.
No dia seguinte, ao alvorecer, apanhávamos os índios de surpresa.
***
— E a rapariga? Conseguiram salvá-la? — perguntou alguém do outro lado da fogueira.
— Está ali, meu caro!
E Forrester apontou para sua mulher, que vigiava o café.
Quando Mrs. Forrester me estendeu a minha chávena, distingui-lhe nitidamente no pulso a marca avermelhada que ali tinha deixado uma corda demasiadamente apertada. Estávamos em 1888. Vinte anos tinham passado sobre aquela noite de Junho em que o tenente Forrester, pela primeira vez na sua vida, falhara um tiro..
FIM

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